COMUNICAÇÃO
Efeitos indesejados em comunicação
Casos em os efeitos da comunicação não foram bem os intencionados
Há várias coisas universais ou semi-universais em comunicação. Uma é que nos comunicamos boa parte do tempo, com os outros e com nós mesmos, verbal e não-verbalmente. Outra é que em geral temos uma ou mais intenções ao nos comunicarmos: informar, confortar, aliviar (-se), conduzir, controlar ou comandar, dar feedback, quem sabe apenas influenciar. A intenção de uma comunicação está portanto no nível de efeitos, isto é, pretendemos que a comunicação resulte em algo. Ocorre que nem sempre uma comunicação resulta nos efeitos intencionados, por vezes até em efeitos contrários, como no caso em que elogiamos e o outro interpreta como uma ofensa.
Nesta matéria contamos alguns casos de comunicação em que os efeitos não foram exatamente os intencionados. Para cada caso são descritos a situação, a comunicação propriamente dita, a intenção presumida da comunicação e os efeitos ocorridos, possivelmente também comentários nossos sobre o ocorrido. Todos ocorreram de fato, embora aqui não seja relevante quem os viveu ou presenciou. Algumas das informações são deduzidas ou presumidas; isto é deixado claro com marcações do tipo "talvez", "pode ser" ou "???".
Hummmmm....dois!
Finalmente honrou o nome
Comilões, nós?
Como tornar algo mais difícil
Covarde ou respeitoso?
"Pára, bem!"
Comentários finais
Hummmmm....dois!
Situação
Um casal de namorados está se beijando. O namorado faz "Huuuummm.......", assim como que está gostando muito.
A comunicação
A namorada diz, sorridente: "Dois!"
Possível intenção
Talvez fazer uma graça, divertir-se.
Potenciais efeitos
Talvez nem seja preciso, mas vá lá. O efeito da comunicação da namorada, ao dizer algo matemático e que não tinha nada a ver com o contexto, foi quebrar - interromper, destruir - o estado de prazer do namorado.
Comentários
Se sua intenção é essa - quebrar um estado inconvenientemente prazeroso de alguém - pode tentar essa. Se ele ou ela não fizer "Huuuummm.......", tente "Que horas são mesmo?" Pensando bem, se tiver relógio, basta olhar para ele algumas vezes e fazer uma expressão impaciente!
Finalmente honrou o nome
Situação
TV por assinatura, um jogo de pôquer de celebridades. O apresentador está chamando os jogadores.
A comunicação
Ao chamar o terceiro jogador, uma famosa dama da TV e do cinema, o apresentador diz: "Finalmente temos uma celebridade de verdade aqui.".
Possível intenção
Expressar a verdade?
Potenciais efeitos
O apresentador potencialmente ofendeu os demais jogadores - sua frase pressupõe que os outros participantes - presentes e anteriores - não são celebridades.
Comentários
A afirmação do apresentador não contribuiu para aumentar a audiência, não serviu para um maior bem-estar dos envolvidos, pelo contrário, pôs sob questionamento sua competência de apresentador. O comentário não parece ter qualquer utilidade, exceto pelo fato de que agora está servindo de inspiração para que outros evitem cometer a mesma gafe.
Comilões, nós?
Situação
Em um restaurante, colegas de um curso particular, com o professor e convidados, terminam o jantar à volta de uma mesa redonda, daquelas com uma (por assim dizer) sobre-mesa também redonda e giratória. Sobre esta, jazem as panelas e pratos em que foi servida a comida, todos "limpos", nada tinha sobrado. A conta é solicitada, e a garçonete se aproxima.
A comunicação
A garçonete vê os pratos limpos e comenta: "Nossa, vocês comem, hein!".
Possível intenção
???
Potenciais efeitos
Alguém poderia ter ficado indignado ou coisa assim, mas o efeito predominante foi de risos, pela impropriedade do comentário.
Comentários
Imagine um cabeleireiro dizendo ao cliente: "Que cabelo grande!" ou um mecânico dizendo "Uau, seu carro está com muitos defeitos!". Simplesmente tais comentários-julgamento não parecem ter qualquer utilidade.
Ao invés de correr o risco de despertar emoções indesejáveis nos clientes com relação a ela ou ao lugar, inclusive porque direcionou sua generalização para todos os presentes, a garçonete poderia ter percebido a situação como uma oportunidade: se está tudo limpo, pode ser que alguém ainda esteja com fome, e ela poderia simplesmente perguntar se alguém queria algo mais, com a possibilidade de aumentar o faturamento e a gorjeta.
Como tornar algo mais difícil
Situação
Aula em uma escola de dança de salão. Uma turma está tendo aula regular, alguns iniciantes em salsa estão com a professora-dona da escola.
A comunicação
A professora diz aos novatos em salsa: "Bem, gente, a salsa é um desafio, mas com persistência eu sei que vocês conseguem".
Possível intenção
Preparar os alunos para se sairem melhor.
Potenciais efeitos
Induzir uma crença nos alunos de que a salsa é "difícil", principalmente devido à credibilidade que a professora -potencialmente - tem.
Comentários
A professora não esclareceu em que nível ou aspecto dançar salsa é um desafio. Além disso, a salsa é formada por passos como qualquer dança de salão, e não tem necessariamente um grau maior de dificuldade. Também há pessoas que tem mais facilidade e outras menos, e "difícil" é relativo e subjetivo, mas ela colocou o grau de dificuldade como característica apenas da dança.
Em síntese, ela potencialmente criou um obstáculo na mente dos alunos que não existiria se tivesse ficado calada e simplesmente ensinasse os passos, obstáculo esse potencialmente intensificado pela sua credibilidade de professora experiente e dona da escola.
Covarde ou respeitoso?
Situação
Em uma festa, um casal já meio "bebido" discute sobre educação de filhos e responsabilidade dos pais..
A comunicação
A certa altura, a esposa afirma que o marido se omitiu na educação dos filhos e o chama por isso de "covarde", seguindo-se um "aprofundamento" acalorado da discussão, intermediada por outros convidados.
Possível intenção
Talvez a esposa já estivesse alimentando o ressentimento por algum tempo, e viu ali uma oportunidade de expressão e alívio. Poderia também estar tentando fazê-lo sentir-se mal para que ele fizesse algo para mudar. Outra possibilidade, aparentemente menos provável mas sob certas condições plausível, é que ela não queria mais ficar com ele e estava lhe dando razões para ir embora.
Potenciais efeitos
Raiva e distanciamento do marido, agravados pelo constrangimento público. Desarmonia no relacionamento.
Comentários
O que a esposa pretendia ao por um rótulo no marido? Se ele é "covarde", ela não estaria acrescentando nada que contribuísse para melhorar a situação, pelo contrário, poderia reforçar a atitude. Se ele não é covarde e tinha seus motivos, ela estará cometendo uma injustiça. Em qualquer caso, chamar alguém de tais nomes é uma garantia de prejudicar o relacionamento; no caso dela, com a pessoa com quem ela iria compartilhar a cama naquela mesma noite.
"Pára, bem!"
Situação
Um grupo de alunos de faculdade sai de um bar, com um homem tipo malandro de rua, forte e bêbado, que os rodeava ainda no bar, seguindo-os ao longo de uma avenida em direção a um ponto de ônibus. Em um certo momento, o homem está na beira da rua, e um dos alunos percebe o risco de ele ser atropelado.
A comunicação
O aluno se aproxima, pega no braço do homem e diz algo a ele, tentando trazê-lo para a calçada.
Intenção
Proteger o homem de ser atropelado.
Efeitos
O homem se desvencilha da mão do aluno, diz algo como "Me larga!" e em um movimento brusco vai mais para dentro da rua, no exato momento em que um carro está passando. O carro atinge o homem, jogando-o para o alto, e vai embora.
Comentários
O homem foi levado semi-consciente para o hospital mas no final felizmente não teve nada, e ainda levou uma grana de quem o socorreu. Detalhe curioso: ele contou depois que, enquanto estava ainda no ar, escutou uma mulher dentro do carro gritar: "Pára, bem!".
Interessante é notar que a ação para prevenir um risco acabou contribuindo para que ele acontecesse...
Comentários finais
Quando mencionamos possíveis efeitos de uma comunicação, não queremos absolutamente afirmar que são permanentes; qualquer situação a princípio e aparentemente negativa pode servir de oportunidade. No caso do casal na festa, por exemplo, a desarmonia do momento pode gerar uma resposta de ambos no sentido de dialogar e esclarecer as coisas e gerar novas alternativas dali em diante, o que por sua vez pode conduzir a uma harmonia maior do que antes do fato. As coisas às vezes parecem ser como são, mas de fato estão como estão, e vão ser mesmo o que fazemos com elas dali para a frente. Em outras palavras, um fato é um fato - acontece -, mas seu significado está dentro de nossas mentes, e esse significado pode ser criado, mudado, evoluído, transformado e - quem sabe - às vezes até deixar de existir.
Resta para nós esperar que esta comunicação tenha resultado nos efeitos intencionados!
Virgílio Vasconcelos Vilela
Editor deste site